sábado, 22 de fevereiro de 2020

O CONSUMISMO NA VOZ DE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

O vazio interior preenchido por um exterior passageiro".

Em minha calça está grudado um nome  que não é meu de batismo ou de cartório,  um nome... estranho.  Meu blusão traz lembrete de bebida  que jamais pus na boca, nesta vida. Em minha camiseta, a marca de cigarro  que não fumo, até hoje não fumei.  Minhas meias falam de produto  que nunca experimentei  mas são comunicados a meus pés.  Meu tênis é proclama colorido  de alguma coisa não provada  por este provador de longa idade.  Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,  minha gravata e cinto e escova e pente,  meu copo, minha xícara,  minha toalha de banho e sabonete,  meu isso, meu aquilo,  desde a cabeça ao bico dos sapatos,  são mensagens,  letras falantes,  gritos visuais,  ordens de uso, abuso, reincidência,  costume, hábito, premência,  indispensabilidade,  e fazem de mim homem-anúncio itinerante,  escravo da matéria anunciada.  Estou, estou na moda.  É duro andar na moda, ainda que a moda  seja negar minha identidade,  trocá-la por mil, açambarcando  todas as marcas registradas,  todos os logotipos do mercado.  Com que inocência demito-me de ser  eu que antes era e me sabia  tão diverso de outros, tão mim mesmo,  ser pensante, sentinte e solidário  com outros seres diversos e conscientes  de sua humana, invencível condição.  Agora sou anúncio, ora vulgar ora bizarro,  em língua nacional ou em qualquer língua  (qualquer, principalmente).  E nisto me comparo, tiro glória  de minha anulação.  Não sou - vê lá - anúncio contratado.  Eu é que mimosamente pago  para anunciar, para vender  em bares festas praias pérgulas piscinas,  e bem à vista exibo esta etiqueta  global no corpo que desiste  de ser veste e sandália de uma essência  tão viva, independente,  que moda ou suborno algum a compromete.  Onde terei jogado fora  meu gosto e capacidade de escolher,  minhas idiossincrasias tão pessoais,  tão minhas que no rosto se espelhavam  e cada gesto, cada olhar  cada vinco da roupa  sou gravado de forma universal,  saio da estamparia, não de casa,  da vitrine me tiram, recolocam,  objeto pulsante mas objeto  que se oferece como signo de outros  objetos estáticos, tarifados.  Por me ostentar assim, tão orgulhoso  de ser não eu, mas artigo industrial,  peço que meu nome retifiquem.  Já não me convém o título de homem.  Meu nome novo é coisa.  Eu sou a coisa, coisamente. Carlos Drummond de AndradeImage result for consumismo